Conheci Alice Dutra num momento muito particular da minha vida. Era o ano de 1994. Eu tinha saído da editoria dos 100 Restaurantes da Veja São Paulo, tinha perdido minha jovem mãe e estava prestes a sair da Resenha Judaica onde trabalhei por quase duas décadas ininterruptamente sob a direção do inesquecível e saudoso editor- mito Oscar Nimitz. Lá na Resenha começava uma guerra interna, impublicável. Nunca soube que fim teve, nem nas rezas no túmulo do amado Oscar em 2011.
Os tempos eram terríveis e apertados e meu adorável pai também estava bem ruinzinho já (foi para o segundo andar em 1998).
Enfim, uma quinta feira uma senhorinha queridinha da Resenha Judaica, Cléia Wajchenberg, uma RP da comunidade me mandou um bilhete lindo dizendo - Ovadia, gostaria que você conhecesse uma nova pizzaria nos Jardins, uma coisinha linda e aconchegante, o Farfalla. Beijos e assinava.
Naquele sábado eu tinha ido à casa de Ruth Escobar no Pacaembu, aquele monstro sagrado da história teatral brasileira que oferecia um antipático almoço para o ator mais emblemático vivo da França Michel Piccoli e outros mais que lá estavam (tinha uma moça muito simpática Dominique que trabalho com Isabelle Adjani em A Rainha Margot, sucesso sanguinolento daquela época e um pouco do retorno do cinema francês no Brasil).
Michel Piccoli tinha trabalhado com todas minhas musas em vários anos e filmes inesquecíveis: Brigitte Bardot, Romy Schneider, Annie Giradot, Elza Martinelli, Anouk Aimée, Sophia Loren, não escapou uma. Incrível que aquele homem tão chato e estranho estivesse na minha frente tão distante e desinteressado de tudo.
Sai de mal com ele e o cinema francês e sem ter o que fazer, com mais dois amigos, lembrei do convite da velha senhora e fomos achar perdidinha nos Jardins lado chique a Rua Presidente Prudente. Lá estava o Farfalla. Lá estava Alice para uma amizade de toda uma vida, a toute une vie de Claude Lelouch.
Pizza deliciosa e lá veio ela, tão encantadora quanto as atrizes que não conheci, Alice Dutra, cabelos louros puxados para trás como aeromoça de primeira classe, como Romy em Lês Choses de La Vie . Ficamos amigos em dez minutos. Nunca mais deixei de ir lá e acompanhar o fervilhante dia a dia, mês a mês, ano a ano, década a década da casa, que soube ser sua moradia, de Alice e marido Rubens, nos anos 70 e 80 e quase residência do então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, o FHC e Dona Ruth.
Passaram-se cardápios, passaram-se verões e invernos. Passaram-se ações de RP, Joyce Pascowitch publicou na sua então maravilhosa coluna da Folha de São Paulo a receita do RISOTO AL LIMONE, que tão bom só existia no hotel Hassler Villa Médici de Roma. Coisas da assessora Silvana Melky, uma das donas da história.
Mudou o Farfalla que virou Ristoranti, espaço para eventos, bufê para eventos fora da matriz. Mudou o país, mudaram as pessoas.Alice tímida foi crescendo passo a passo, momento a momento. Veio almoço do dia, abarrotado, vieram shows ao vivo, vieram atrações e muitos eventos deliciosos; de casamentos a shows de jóias. Estão lá perpetuados em matérias na CARAS irresistível, na Internet, nos sites da Vogue.
Eu acompanhando a Farfalla Alice, ela me acompanhando: os anos Maksoud Plaza, os anos Paris e Londres, o Plaza Athenée, Os anos Conrad, a paixão mútua por Punta Del’Este eo Uruguai. O hotel Renaissance em São Paulo e o meu próprio renascimento. Os anos Meliá, os anos World Trade Center, os anos Gran Meliá Mofarrej, O início do Tivoli Mofarrej. Os filmes, as avant première do Maksoud que São Paulo até hoje morre de saudades. Alice Adorava. Os anos dos hotéis Caesar Park e a festa do filme Uma noite para Voar, em 2009.
No Farfalla eventos, comida deliciosa, mesas de socialites, a histórica passagem de Sarita Montiel, a Violetera, numa sexta de casa lotadíssima quando uma senhorinha desavisada foi ao pés da diva espanhola e pediu: “- daria para senhora cantar um pouco para mim...”. Que mulher bonita e interessante comentou comigo Sarita na esquina do Farfalla, quando subiu o vestido para mostrar para mim e ao decorador floral e cerimonialista parceiro também de Alice, o Wilson Dimitrov, suas pernas perfeitas aos quase 80 anos. Será que foi um sonho? Muitas coisas no Mondo Farfalla parecem oníricos. E o Aldo do Ministério Público indo lá só para Alice ouvir sua frase favorita não pelo sagrado bufê do SDr. Nilson, mas pela pretensão bem humorada de cronista de Guaxupé, MG: "-Alice, não aguento aquela mesmice da Mansão França..."
Shows, jantares com Wanderléa, Marlene Silva, Rosemary, Eliana Pittman, Amaury Jr, Ciro Batelli e todo who’s who em outras mesas das colunas de Tavares de Miranda. Personagens que eu via quando jovem nas colunas de Alik Kostakis e Maria Aparecida Saad. O Farfalla era um retaro de colunas social a certa altura de sua carreira. Meus dois aniversários mais movimentados tiveram Alice por perto: um no Farfalla em 1997 com todos os donos de hotéis chiques na época e todas as camélias e orquídeas que haviam na cidade a luz de velas que Clodovil, severo, severo, classificou de “insuperável”. Um outro em 2009 no palazzo de Oscar Mikail alice preparou o bufê que deixou boquiaberto de Giancarlo Bolla, o Mr. Leopolldo, Meusieur La Tambouille, Mr. Bar dês Arts a Clemente Napolitano, DJ e um dos maiores festeiros de São Paulo surpreendidos. E todo um jet set paulistano. Obrigado Alice, obrigado.
Nestes quase 20 anos abriram 2.700 restaurantes na cidade de São Paulo, fecharam uma média de 65% deles. O Farfalla against all odds está lá incólume. Um novo arranjo de flores frescas, uma nova louça, uma nova sobremesa, um novo maitre, uma reserva de turma jovem e curiosa. Os publicitários da moda. A força de Scarlett O’Hara , se hoje não foi tão bem, amanhã será ótimo.
...E O vento Levou e aquela senhorinha RP da colônia judaica já morreu sem que eu pudesse lhe agradecer a gentileza, agora lembrei que ela tinha também me telefonado, Dona Cléia, voilá! Deus lhe pague e abençõe todas as gerações dos seus que devem estar por aí.
Até já, até sempre, vida longa a Alice e todos os seus e toda sua brigada.
Por Ovadia Saadia
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